Matéria no Jornal A Tarde
Jornal A Tarde, Salvador – Hoje, 14/04 Uma grande alegria a matéria no Caderno 2 de um dos jornais que, na minha formação em jornalismo, foi
Por Rodrigo Rossoni
Estávamos há três dias percorrendo carvoarias e canaviais pelo Norte do Espírito Santo, a sexta-feira era nosso último dia na região. Visitamos mais uma carvoaria pela manhã e, depois do almoço, um canavial próximo ao mar de Urussuquara. De volta à nossa cidade base, São Mateus, por volta das 18h, o cansaço e a tensão pelo que vivenciamos nos últimos dias eram intensos. A experiência de conhecer realidades tão dramáticas e sem uma via de mudança mexeu muito com todos nós.
Como de costume, fomos fazer um lanche num trailer que ficava próximo à rodoviária da cidade. Durante a alimentação conversamos pouco. Os olhares se desviavam e a angústia era evidente. Comemos rápido e retornamos para o carro. O desejo era tomar um banho e, rapidamente, cair na cama.
Já no veículo, quando fechamos as portas, uma criança nos abordou.
— “Oi, vocês podem me ajudar com um dinheiro? É para eu ajudar a minha mãe”.
Apesar de cansados, aquela seria uma importante situação para conhecer a história daquele menino. Ele nos abordou quando já estávamos dentro do veículo, e assim continuamos. Na condição de motorista, então, eu lhe disse:
— Claro que sim. Como é o seu nome?
A pergunta deixou-o desconfiado já que, segundo ele, é raro alguém perguntar o seu nome. Por isso, logo soltou:
— “Vocês são do juizado de menores?”
Tentei tranquilizá-lo para que a conversa pudesse fluir. Disse-lhe que éramos jornalistas. Ele pareceu entender. Mas continuou desconfiado.
Seu nome era Valdene, uma criança de sorriso largo e muito gentil. A conversa foi se desenrolando com ele em pé, ali do lado de fora do veículo. Perguntamos onde ele morava, quem eram seus pais e se ele estudava. Valdene foi nos contando as coisas mais básicas, mas aos poucos fomos ganhando sua confiança. Estudava pela manhã, à tarde frequentava um projeto social chamado Araças e à noite vigiava carros no centro para ajudar a mãe, que estava desempregada. Seu pai morreu atropelado quando ele tinha 9 anos de idade, por isso, sua participação na renda da casa era importante.
Valdene contou-nos sobre as dificuldades de trabalhar nas ruas, principalmente em relação aos meninos mais “experientes”, segundo ele:
— “Eles batem em mim para tomar o meu dinheiro. Andam sempre em três e têm canivete”.
A sua tristeza se revelou evidente em relação ao preconceito com que as pessoas olhavam para ele.
— “Olham para mim com cara feia ou com medo. Pensam que eu vou roubar ou atacar elas. E eu não faço isso. Só estou trabalhando e preciso desse dinheiro”.
Com o passar do tempo, a conversa foi ganhando tons mais dramáticos. Valdene começou a contar os dilemas da sua vida. Das dificuldades com alimentação, do esforço da mãe de cuidar de quatro filhos sozinha e dos perigos que corria às noites. Falou da casa que tem dois cômodos, da forma como dormem todos amontoados em uma única cama e do dia em que quase morreu.
Com o aprofundar da conversa, confesso que o meu estado emocional já estava em níveis elevados. Era como se eu não fosse mais eu. Eu vivia como se fosse Valdene, contudo com a minha consciência. O processo de empatia foi inevitável. Nos poucos momentos de pausa, a gente fazia algumas perguntas e ele respondia com muita franqueza. Lá pelas tantas, eu fiz uma pergunta muito simples.
— “Valdene, sua casa tem energia elétrica?
A simplicidade da pergunta obteve uma resposta também muito simples, mas com um desenrolar devastador para todos nós. Disse ele:
— “Energia a gente tem sim. Só que já tem duas semanas que a lâmpada queimou. Estamos no escuro. Mas hoje eu trabalhei o dia todo e consegui juntar R$2 reais”.
Nesse momento, ele se afastou do carro. Deu um passo para trás e continuou:
— “Aí eu fui na loja e comprei duas lâmpadas”.
Ele meteu as mãos no bolso, retirou as lâmpadas e nos mostrou.
Esse gesto inesperado e inusitado foi uma apunhalada no peito. Senti o peito apertar e os olhos lacrimejarem. Um misto de desespero e angústia profundos tomaram conta de mim. Tentei segurar as lágrimas. Olhei para o lado para respirar um pouco e me esquivar. Mas, ao olhar para o lado, me deparei com minha colega, Ana Paula, em prantos. Não tive saída. Foi mais forte que eu. Abaixei a cabeça e as lágrimas foram inevitáveis.
O gesto de Valdene, uma criança com tantas responsabilidades, desamparada pelo estado e pela sociedade nos abateu. Chorei muito. Perdi o chão e a noção de realidade.
Naquele momento, já fragilizado por tudo o que havia vivenciado naqueles dias, não tive vergonha de me expor diante dele.
É bem possível que Valdene nunca tenha entendido e talvez nunca entenderá porque três adultos choraram tanto diante dele simplesmente porque viram uma lâmpada.
Jornal A Tarde, Salvador – Hoje, 14/04 Uma grande alegria a matéria no Caderno 2 de um dos jornais que, na minha formação em jornalismo, foi
Perguntas que não precisam de respostas Por Rodrigo Rossoni “Rodrigo, você está fazendo um trabalho no MST, né? Como você conseguiu entrar lá?” “Professor, eu
Livro de fotografias sem fotos na capa? Por Rodrigo Rossoni Definir a capa foi a etapa mais difícil do processo de editoração do livro. Eram
Fotógrafas precisam de câmeras! Por Rodrigo Rossoni As oficinas de fotografia no Assentamento Piranema caminhavam para a sua etapa final. Estava chegando o momento de